quarta-feira, 18 de junho de 2014

Bom dia, Camaradas - Ondjaki

 
Ondjaki nos traz um convincente relato desses fundamentais anos de mudanças e esperanças. Não mais a visão desamparada e repleta de culpas de alguns escritores portugueses - os tugas - que participaram da guerra colonial, nem também a visão militante dos escritores angolanos dos tempos heróicos de Agostinho Neto, mas a visão realista e pragmática de uma classe média que tenta se erguer em meio ao caos. O menino, filho de um alto funcionário do governo, tem um pajem - o camarada António, cozinheiro e voz de uma certa camada popular -, estuda numa boa escola, que tem professores cubanos, e desfruta de algumas benesses, como pegar boleia (carona) no carro do Ministério e contar com telefone e geleira (geladeira) em casa

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Conto de Escola - Machado de Assis

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.
Na semana anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.
Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.
- Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.
Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinqüenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.
- O que é que você quer?
- Logo, respondeu ele com voz trêmula.
Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.
Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma coisa soberba. E eu na
escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.
- Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.
- Não diga isso, murmurou ele.
Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma coisa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.
- Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.
- Que é?
- Você...
- Você quê?
Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma coisa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.
Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...
- De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.
- Então agora...
- Papai está olhando.
Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as idéias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.
No fim de algum tempo - dez ou doze minutos - Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.
- Sabe o que tenho aqui?
- Não.
- Uma pratinha que mamãe me deu.
- Hoje?
- Não, no outro dia, quando fiz anos...
- Pratinha de verdade?
- De verdade.
Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.
- Mas então você fica sem ela?
- Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?
Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...
Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.
Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, - e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, - parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma coisa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...
Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. - Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...
- Tome, tome...
Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e - tanto se ilude a vontade! - não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.
- Dê cá...
Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.
De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.
- Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.
- Diga-me isto só, murmurou ele.
Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.
- Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão.
Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.
- Venha cá! bradou o mestre.
Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.
- Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.
- Eu...
- Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou.
Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de coisas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados. Aqui pegou da palmatória.
- Perdão, seu mestre... solucei eu.
- Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão!
- Mas, seu mestre...
- Olhe que é pior!
Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma coisa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!
Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dois serem cinco.
Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?
- Tu me pagas! tão duro como osso! dizia eu comigo.
Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.
Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...
De manhã, acordei cedo. A idéia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...
Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma coisa: Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...


terça-feira, 22 de abril de 2014

Pai contra mãe - Machado de Assis


A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de-flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.
O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.
Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.
Cândido Neves, -- em família, Candinho,-- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.
Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.
Contava trinta anos. Clara vinte e dous. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.
O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi-- para lembrar o primeiro ofício do namorado, -- tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.
--Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto.
 
--Não, defunto não; mas é que...

Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.
--Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.
 
--Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara. Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.
A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço.
Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma cousa e outra; não tinha emprego certo.
Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia. porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.
--Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.
A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.
--Vocês verão a triste vida, suspirava ela.
 
--Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara.
 
--Nascem, e acham sempre alguma cousa certa que comer, ainda que pouco...
 
--Certa como?
 
--Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo?

Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer.
--A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau...
 
--Bem sei, mas somos três.
 
--Seremos quatro.
 
--Não é a mesma cousa.
 
-- Que quer então que eu faça, além do que faço?
 
-- Alguma cousa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga. Você passa semanas sem vintém.
 
-- Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase  nenhum resiste, muitos entregam-se logo.

Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado. Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de cousas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso.
Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor.
Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelo aluguéis.

Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.

--É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro   emprego.

Cândido quisera efetivamente fazer outra cousa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.
A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer.
Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.
--Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!
Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dous jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio.
 
-- Titia não fala por mal, Candinho.
 
-- Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...

Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor,-- crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dous foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.

--Quem é? perguntou o marido. -
 
-Sou eu.
Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.
--Não é preciso...
 
--Faça favor.
O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.
--Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.

Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança.

A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio. Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dous, para que Cândido Neves, no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a
casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.

Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dous dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. "Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à Rua dos Barbonos." Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.
Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos . As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.
Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria maior a miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.
Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que cobria o rosto para preservá-lo do sereno. Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo.

--Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele.

Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida.
Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.
--Mas...

Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona. --Arminda! bradou, conforme a nomeava o anúncio.
Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.
--Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

-- Siga! repetiu Cândido Neves.

--Me solte!

--Não quero demoras; siga!
Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,--cousa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.
--Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.

Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes cousas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.
--Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.

-- É ela mesma.

--Meu senhor!

--Anda, entra...

Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta milréis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.
O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.

Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor.
 
Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga.
Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.

--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

PEANUTS COMPLETO: 1950 A 1952 (VOL. 1)


Charles M. Schulz
Tradução de Alexandre Boide
"O mundo de Peanuts é um microcosmo, uma pequena comédia humana, tanto para o leitor inocente como para o sofisticado."Umberto Eco
Peanuts completo: 1950-1952 inicia a coleção definitiva da obra-prima de Charles M. Schulz, introduzindo muitos dos mais queridos personagens dos quadrinhos – Lucy, Schroeder, Snoopy, Linus e Charlie Brown.
Este primeiro volume de Peanuts completo vem acompanhado de uma introdução escrita por um conterrâneo de Schulz, de um ensaio sobre a vida e a carreira do desenhista e de uma entrevista muito pessoal com o autor, que revela tudo sobre o "pai" do Charlie Brown. Peanuts completo encantará novos leitores – de todas as idades – e será um deleite para antigos fãs.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Espetinho de gafanhoto, nem pensar!

Espetinho de gafanhoto, nem pensar !
Espremido entre o sábado, tudo de bom, e a segunda-feira, o terror da semana”, o domingo para as primas Júlia e Luísa significava família reunida, em almoço na casa da avó Rosa. Ainda no clima de uma divertida aula de surfe na véspera, uma conversa sobre “ondas” leva a uma pesquisa na internet sobre o tsunami ocorrido na Tailândia em 2004. E de uma despretensiosa história contada numa tarde de domingo, surge o destino das férias que se aproximavam!
Depois de explorar a Índia e o Nepal em O hambúrguer era de carneiro, o trio criado pela escritora e viajante convicta Daniela Chindler resolve desbravar a Tailândia e o Vietnã em Espetinho de gafanhoto, nem pensar! . A ideia de aventura sobre ondas gigantes não empolgou muito as meninas, acostumadas a surfar apenas uma marola. Mas a avó já estava “com aquela cara de quem já tinha um plano, e envolvia túneis subterrâneos, insetos fritos, trekking nas montanhas, templos de ouro, campos de elefantes”.
Em meio aos preparativos para a viagem, as meninas escolheram um diário de bordo para registrar a aventura nos “países de olhos puxados”, como sempre faziam durante as viagens com a avó.
Na Tailândia, um mundo totalmente novo: hotéis luxuosos, templos sagrados, histórias antigas, diferentes representações de Buda, “mulheres-girafa”, escolas de massagem, amuletos da sorte e uma curiosa barraquinha vendendo temíveis salgadinhos, que incluíam grilos, escorpiões, baratas, gafanhotos e minhoquinhas fritas e com pimenta. A aventura ficou ainda mais divertida quando, em visita a um parque temático, receberam um abraço de tromba de elefante, bem apertado.
No próximo destino, Vietnã, o trânsito tumultuado do lugar levou as meninas a adotarem uma filosofia de “safári africano” no trânsito de Saigon, como conselho da avó. No mercado flutuante, os vendedores, a bordo das suas barraquinhas-canoas ou barcos, vendiam legumes, frutas e água de coco. Entre as inúmeras curiosidades locais, elas descobrem que “os vietnamitas usam as cobras como ingredientes de vários medicamentos. Quanto mais venenosa a cobra, maior a sua reputação e mais caro o seu preço”.
Em ambas os países, as jovens turistas descobriram um incrível patrimônio histórico-cultural, que é contado em detalhes no livro, proporcionando à garotada uma verdadeira viagem. As belas ilustrações de Suppa ajudam a retratar, de forma divertida, a paisagem e o clima mágico e exótico do sul da Ásia.

terça-feira, 11 de março de 2014

No reino da pontuação

 "O que aconteceria se o travessão entrasse em guerra com o ponto e vírgula? Neste capricho poético, a fantasia alia-se ao ritmo e os sinais de pontuação ganham vida, com vontade e motivação próprias.
Publicado originalmente em 1905 por Christian Morgenstern, poeta que explorou os limites da lógica, No Reino da Pontuação atualiza-se na surpreendente releitura gráfica da designer anglo-indiana Rathna Ramanathan."
 


quinta-feira, 6 de março de 2014

1ª REUNIÃO DO PROJETO MEDIADORES DE LEITURA 2014

ATENÇÃO ALUNOS DO PROJETO MEDIADORES DE LEITURA: 1ª REUNIÃO:
SEGUNDA, 10 DE MARÇO, DAS 13H30 ÀS 14H15

NESTE DIA, NÃO ACOMPANHAREMOS AS CLASSES, IREMOS APENAS DEFINIR OS DIAS E HORÁRIOS PARA CADA GRUPO.

SOLICITEM AOS PAIS AUTORIZAÇÃO SEGUINDO O MODELO:

"EU, _____________(nome do responsável)_______________, RESPONSÁVEL LEGAL PELO MENOR __________________(nome do aluno)___________, DO ____ ANO ___ DA EMEF NELSON PIMENTEL QUEIROZ, AUTORIZO-O A PARTICIPAR DA PRIMEIRA REUNIÃO DO PROJETO MEDIADORES DE LEITURA 2014, SEGUNDA-FEIRA, 10 DE MARÇO DE 2014 DAS 13H30 ÀS 14H15.


_____________________________________
ASSINATURA DO RESPONSÁVEL"


ATÉ LÁ,
LUCIANA HILST
POSL - Professora Orientadora de Sala de Leitura

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Orientações para as Aulas de Leitura na EMEF Nelson Pimentel Queiroz - 2014


São Paulo, 10 de fevereiro de 2014

Orientações para as Aulas de Leitura na EMEF Nelson Pimentel Queiroz - 2014

Senhores pais e/ou responsáveis,

No ano de 2013 muitos me procuraram com dúvidas sobre a dinâmica da Sala de Leitura e das Aulas de Leitura, por isso, neste ano, envio os esclarecimentos por escrito desde já. Caso ainda hajam dúvidas após a leitura dessas orientações, favor procurar-me às segundas-feiras, das 12h as 13h30 na escola, ou entrar em contato através do e-mail: poslpimenta@gmail.com.

Funcionamento das aulas:
O objetivo principal da aula de leitura é garantir que os alunos desta escola conheçam diversos tipos de texto e percebam que através da leitura podem tanto aprender como se divertir. Em cada aula será abordado um texto, que poderá ser lido por mim, por um aluno ou por todos os alunos em conjunto. É importante que os alunos percebam que o objetivo da aula é CONHECER o texto, e não ler em voz alta, portanto, quando não está lendo, o aluno deve estar atento ao texto que é abordado, e não deve conversar (nem mesmo em voz baixa), fazer atividades de outras matérias ou utilizar aparelhos eletrônicos (que aliás, são proibidos por lei federal). OUVIR ATENTAMENTE O TEXTO é a principal tarefa dos alunos de Leitura.
Para facilitar a memorização, SOLICITO QUE TODOS OS ALUNOS TENHAM UM CADERNO DE LEITURA, que pode ser um caderno pequeno ou uma matéria no caderno grande, onde devem anotar o que foi abordado em cada aula. Não é necessário um caderno grande exclusivo para essa matéria.
Gostaria ainda de esclarecer que a aula de Leitura não é uma disciplina, mas uma atividade e, por isso, não existe nota oficial de Leitura. Em 2014, a não ser que haja mudança na lei, não será atribuida nota. Os pais poderão acompanhar o andamento dos seus filhos me procurando às segundas-feiras, das 12h às 13h30 na escola, as reuniões de pais ou por e-mail, no endereço: poslpimenta@gmail.com.

Horário de Pesquisa:
Todas as sextas-feiras, das 12h às 13h30 a Sala de Leitura estará aberta para que os alunos e a comunidade em geral consultem o acervo, realizem leituras e pesquisas.

Empréstimos:
A partir de março os alunos poderão novamente emprestar livros durante as aulas de Leitura. Os livros emprestados aos alunos devem ser devolvidos no prazo de uma semana, única e exclusivamente a mim, uma vez que é necessário dar baixa no livro de empréstimos. Em último caso, o livro pode ser entregue na secretaria da escola, devidamente identificado com nome e a série do aluno que o emprestou. Em caso de perda, o livro deve ser reposto.

Espero ter esclarecido as principais dúvidas. Conto com a colaboração de todos.
Um bom ano letivo! E sucesso para os nosso estudantes!

Grata
Luciana Hilst Selli
POSL - Professora Orientadora de Sala de Leitura
EMEF Nelson Pimentel Queiroz
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Declaração de Ciência:
Eu, ________________________________________________, responsável legal pelo menor _________ ____________________________________, regularmente matriculado no ____ ano da EMEF Nelson Pimentel Queiroz, declaro que recebi, li e compreendi o documento “Orientações para as Aulas de Leitura na EMEF Nelson Pimentel Queiroz - 2014”, enviado pela professora Luciana, POSL desta unidade.

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Assinatura do responsável

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Mascote da Sala de Leitura

Estão abertas as inscrições para o Concurso Mascote da Sala de Leitura 2014.

Aqueles que desejarem se inscrever devem criar um personagem e desenhá-lo em duas posições diferentes, escrever uma pequena apresentação do personagem (Nome, o que ele gosta de fazer, o que ele não gosta de fazer) e entregá-los à POSL Luciana ou enviá-los para o e-mail poslpimenta@gmail.com até 28 de fevereiro.

Este ano não serão aceitos personagens de quadrinhos ou desenhos animados, apenas personagens criados pelos próprios alunos.

Boa Sorte a todos!

Projeto "Alunos Mediadores de Leitura"

Estão abertas as inscrições para o projeto "Alunos Mediadores de Leitura", que podem ser feitas diretamente com a POSL (Professora Orientadora de Sala de Leitura) na escola, por aqui através dos comentários ou pelo e-mail: poslpimenta@gmail.com.

Já estão inscritos:
Joyce, Emilyn, Barbara e Karina, do 7o A

Nayara, Michel, Beatriz, Mireya, Isabelle, Naomi, Guilherme e Marina, do 8o B

Debora, Eduarda, João Pedro e Sofia, do 8o A.

O projeto tem 16 vagas e terão preferência alunos que não tenham problemas disciplinares e que tenham boa leitura em voz alta.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O senhos dos ladrões

Tem livro novo na área: "O senhor dos Ladrões", de Cornélia Funke, a mesma autora de "Coração de Tinta"

 
Cornelia Funke pertence a uma categoria especialíssima da literatura juvenil: muito premiada, é best-seller em diversos países e amada por leitores de todas as idades. Não por acaso, vem sendo comparada à sueca Astrid Lindgren (de Píppi Meialonga) e a J. K. Rowling (de Harry Potter).
Uma das maiores forças de seus textos é a originalidade com que trata o tema da infância e da idade adulta, um dos principais eixos de O Senhor dos Ladrões, que conta a história de um grupo de crianças órfãs que mora num cinema abandonado na cidade de Veneza. Seu protetor é Scipio, o auto-intitulado Senhor dos Ladrões, um garoto que rouba casas luxuosas de Veneza para sustentar as crianças de rua. Scipio é contratado para um trabalho especial: surrupiar uma asa de madeira da casa da fotógrafa Ida Spavento. O objeto tem propriedades mágicas, e logo todos estarão envolvidos numa aventura onde crianças viram adultos e vice-versa.
O Senhor dos Ladrões teve seus direitos de publicação comprados por mais de 36 países. Depois de grande sucesso na Alemanha, onde vendeu 500 mil exemplares, e nos países de língua inglesa (mais meio milhão de exemplares vendidos), o livro também recebeu seis prêmios internacionais de literatura infantil.

"Uma obra-prima da fantasia [...] ." - The Guardian

"Um olhar lógico e lúdico sobre a infância e a idade adulta." - The Guardian

"O Senhor dos Ladrões é uma aventura mágica que pode ser lida em qualquer idade, graças a seus personagens complexos - ninguém é completamente bom ou ruim - e à maneira séria como retrata crianças enfrentando decisões reais, que podem ter conseqüências para o resto de suas vidas." - The New York Times

"Cornelia Funke é uma inventora de mundos fantásticos, uma escritora que promete muito." - Der Spiegel

"Vinte e cinco anos após Michael Ende, a literatura infantil alemã festeja outro sucesso mundial." - Stuttgarter Nachrichten

"Escrita para leitores de nove anos ou mais, esta história de aventura e intriga situada na Veneza contemporânea pode ser lida - ou melhor, devorada - por adolescentes e adultos." - USA Today

"Completamente delicioso." - The Observer

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Livros emprestados

Mais de 180 livros tombados não foram devolvidos no ano de 2013.

Queridos alunos, esses livros NÃO SÃO SEUS. Eles pertencem a toda a comunidade escolar e devem estar disponíveis para os demais alunos, professores e membros da comunidade.

Grata
Luciana Hilst - POSL